segunda-feira, 5 de setembro de 2011

“Chez Leandre” (Na casa de Leandre)

 Em uma analogia prévia, cito aqui o livro A alma encantadora das ruas (João do Rio)
“Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia — o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. A rua! Que é a rua? Um cançonetista de Montmartre fá-la dizer:

Je suís la rue, femme êternellement verte,
(Eu sou a rua, fêmea eternamente verde)
Je n’ai jamais trouvé d’autre carrière ouverte
(Eu jamais encontrei outra carreira aberta)
Sinon d’être la rue, et, de tout temps, depuis
(Senão de outra rua, e, todo o tempo, depois)
Que ce pénible monde est monde, je la suis...
(Que esse penoso mundo é mundo, eu o sou...)
  


Chez Leandre (na Casa do Leandre) é o espetáculo feito pelo clow, mímico, ator, criador e diretor Leandre Ribera. Tira da frase “na rua você está em casa” a idéia para essa apresentação. O show conta com um palco que normalmente é a rua, e com alguns objetos de cenário como mesa, cadeiras, uma estante, uma porta e um apagador (onde ele começa e termina a apresentação). 

Leandre trata a rua como casa e convida as pessoas a adentrarem nesse mundo. Um vez que a campanhinha é tocada, ele abre a porta para receber algum outro personagem, que é interpretado pelo público, sem se quer saber quem. O grau de improvisação do ator se sobressai quando então ele começa a contracenar com as crianças que estão assistindo ao espetáculo. Uma apresentação sem igual, divertida e inteligente.





 E com a idéia tirada das palavras escrita por João do Rio eu faço uma nota de que a rua é a nossa casa, a casa de todos, a casa para todos. A rua não escolhe, não especifica, ela recolhe, acolhe, abraça. A rua não distingui morador, nem passeador, ela nivela as soberbas, as vontades. A rua é “agasalhadora da misericórdia”. E sempre abre um horizonte para outra rua, onde os desgraçados não se sentem de todo perdidos, deixados. A rua aplaude os medíocres e toda a arte que vem deles, é generosa e diversificada. Ela modifica a linguagem, as falácias, transforma os substantivos, os termos e seus significados. A rua inventa. Os crimes, os roubos, os delírios e toda a misérias não denuncia a rua. A rua dá luz, luxo e bem estar para o animal, e para o homem que ali está. A rua nasce dali, das mãos dos homens, sentindo o esforço de cada um para deixá-la como está hoje, e assim se torna socialista para todos. Ela cria os “lugares-comuns”, onde passam Majestades, senhores, andarilhos, desertores, ela faz celebridades, faz revoltas. “A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste, quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações...”
 
 Porém para se conhecer essas qualidades, deve-se fazer mais do que apenas observar, deve-se utilizar de um exercício artístico que se conhece como: flâneur
“Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde, depois de ter ouvido dilettanti de casaca aplaudirem o maior tenor do Lírico numa ópera velha e má; é ver os bonecos pintados a giz nos muros das casas, após ter acompanhado um pintor afamado até a sua grande tela paga pelo Estado; é estar sem fazer nada e achar absolutamente necessário ir até um sítio lôbrego, para deixar de lá ir, levado pela primeira impressão, por um dito que faz sorrir, um perfil que interessa, um par jovem cujo riso de amor causa inveja. É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência.”

 E assim a rua se torna quase um paradoxo do ser, que de tão pública é apropriada por demais, e sem perder seu público, ela continua viva e dando extensão a visão de quem por ela passa, fica, ou está. A rua é todos, e todos somos da rua, sem restrições, uma vez que ela não se privatiza, ela continua Rua... e contínua...


“... Ei-lo na rua. Como é feito esse lado de fora? Hostil ou acolhedor? Seguro ou perigoso? O homem está nas ruas da cidade e ei-lo, depois de certos atos sucessivos, fora da cidade, no campo.
Nem por um segundo a arquitetura o deixou ...”
(Le Corbusier)




                                                                             (David Narvaez Meireles.:)

Fazendo ligação do espetáculo, com o livro A Alma Encantadora das Ruas e a dircussão de ambientes públicos e privados



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