terça-feira, 30 de agosto de 2011

Iluminação Teatral

Um processo de evolução e construção de outra Realidade.



Como estudante de arquitetura, eterno estudante e amante inveterado e declarado de teatro resolvi aliar estas duas paixões e apresentar a todos um dos pontos que mais gosto em um espetáculo teatral: A iluminação. Elemento que tem tudo a ver com arquitetura.

Apresentarei aqui um rápido panorama sobre a história da iluminação teatral, o que alguns importantes teatrólogos falam sobre ela e como ela contribui para um espetáculo e para algo que chamo de Realidade Teatral, que também explicarei o que é.

Espero que curtam.

Assim como a arquitetura tem como função planejar e construir espaços para que se adaptem da melhor forma ao modo de vida e ao objetivo do indivíduo, a iluminação teatral, um campo estreitamente interligado com a arquitetura, tem a função de auxiliar no processo de construção do espaço cênico e representação/criação de atmosferas necessárias para a interpretação do espetáculo teatral.

Nem sempre as salas de teatro foram escuras como são hoje em dia. Antes a platéia era tão iluminada quanto o palco e ir ao teatro, mais do que assistir uma peça, tinha como função promover um encontro entre o individuo e a comunidade na qual estava inserido. O teatro não era somente um lugar de mostrar e fazer arte, era, também, um local de encontro da burguesia e ponto de expressão máxima de seu modo de vida.

Em 1876, pela primeira vez, durante a representação de uma de suas óperas em Bayreuth, Richard Wagner[1], mergulha a sala de espetáculos no escuro.

O que poderia ser somente mais um artifício utilizado em um único espetáculo, é, na verdade, o surgimento de uma nova era.

O advento do séc. XX, a invenção e aperfeiçoamento da lâmpada elétrica por Edison e a grande efervescência intelectual pela qual a Europa passava permitiram, naquele momento, que esta inovação de Wagner tomasse as proporções que tomou. A partir deste momento, a idéia de Wagner, de mergulhar a sala no escuro, se espalha pela França e Inglaterra e, dentro de pouco tempo, está em todas as grandes salas da Europa.

Esta nova forma de utilização da luz gerará uma nova estética causando, bruscamente, uma separação entre a realidade comum e a Realidade Teatral, aquela que é apresentada no palco. Através da luz é possível criar atmosferas; isolar, anular ou salientar atores ou materiais cênicos.

Para Adolphe Appia, teatrólogo e cenógrafo suíço que deixou um legado de obras que são verdadeiros tratados estéticos, “o teatro pode ser encarado como um espaço que se oferece aos nossos desejos de vida integral e à experiência partilhada da beleza.” (BORIE, ROUGEMONT, SHERER, 2004: 429) e a cena pode ser definida como:

Um espaço vazio, mais ou menos iluminado e com dimensões arbitrárias. (...) Está mais ou menos iluminado; os objetos que aí se colocarão esperam uma luz que os torne visíveis. Este espaço não existe então, de alguma maneira, senão em estado latente tanto para o espaço quanto para a luz, que a cena contém em potência e por definição. (BORIE, ROUGEMONT, SHERER, 2004: 432)

Deve-se notar neste texto de 1921 a importância dada por Appia à luz. Para ele, ela, a luz, se faz indispensável na construção da cena. Pode-se perceber também que, no caso acima apresentado, a luz não é tida como um elemento estático, sendo ela um elemento ativo na construção desta cena e, por conseguinte, na materialização desta Realidade Teatral.


Com a chegada do simbolismo na arte a iluminação teatral passa a ser utilizada não só como uma forma de delimitação do espaço cênico e transporte do público a um “espaço-tempo” específico, ela passa a ser também portadora de significados, que são expressos através de uma estética, algumas vezes, desagradável, pois o afastamento dos temas – dramaturgia – teatrais da vida cotidiana gera uma necessidade da criação de uma iluminação própria. Estranha à primeira vista e inverossímil para o público que a contempla com olhos tão despreparados.

As absurdidades da vida não precisam parecer verossímeis, porque são verdadeiras; ao contrário daquelas da arte, que, para parecerem verdadeiras, precisam ser verossímeis. E, então verossímeis, não são mais absurdidades. (Pirandello, 1978: 314)

Por outro lado é bom que se lembre que a utilização de aparatos de iluminação que foge a uma luminosidade “comum” somente passa a ser empregada no teatro quando há uma intenção de negar a uma estética realista, quando sua função mais do que iluminar passa a ser demonstrar um estado de humor de um personagem, gerar algum tipo de construção de significado para determinada cena, a explanação de um subtexto e elementos que, como estes, fogem àquilo que toma-se por cotidiano.

A luz deve ser vista não somente como um elemento de embelezamento de um espetáculo, deve-se enxergar a luz como veículo de transporte do público a um espaço-tempo/realidade preciso, que é o local imaginário onde a cena ocorre; deve-se enxergar a luz como elemento delimitador de espaço e ferramenta para a construção de símbolos semióticos para que não se caia na leviandade de aplicar a luz de forma errônea e, com isso, perder um mundo de possibilidades que se descortinam à frente daquele que se aventura no campo da iluminação teatral.

Diante do panorama atual, o que se pode dizer a respeito da iluminação é que, como o campo das artes em geral, a tecnologia de que se dispõe é vasta o suficiente para se realizar quase tudo o que se imagina. Por outro lado, não se pode esquecer que a iluminação deve ser “invisível” não entrando em um conflito pela atenção do público com o ator ou com o cenário; a iluminação deve se integrar totalmente aos outros elementos do espetáculo para que não cause qualquer tipo de confusão naquele que assiste com relação a que espaço-tempo é aquele em que a ação dramática ocorre. A iluminação teatral deve servir como elemento afirmador da Realidade Teatral e não ser elemento contraditório com a mesma.

Referências

· BORIE, Monique; ROUGEMONT, Martine de; SCHERER, Jacques. « Estética Teatal – Textos de Platão a Brecht », Lisboa, 2ª Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

· GOMBRICH, Ernst Hans. “A História da Arte”, Rio de Janeiro, 2ª ed, Jorge Zahar, 1981.

· PIRANDELLO, Luigi. “O falecido Mattia Pascal / Seis Personagens à procura de um Autor”, São Paulo, 1ª Ed. Editora Abril

· http://www.abric.org.br/SkyPortal_v1/article_read.asp?item=31


[1] Richard Wagner (1813 – 1883) músico alemão que legou ao teatro o conceito “Gesamtkunstwerk” ou síntese das artes: o que define o drama, a arte total é a união da música, da mímica, da arquitetura e da pintura para a realização de um fim comum – oferecer ao homem a imagem do mundo.

Um comentário:

Heitor Venturini disse...

Muito bom diego. bastante interessante.